A história pouco contada de hoje se relaciona com o “Old Firm” escocês, mas acontece em outro país do Reino Unido, a Irlanda do Norte. Vem comigo que te conto sobre a morte de um grande.
O Old Firm norte-irlandês
Estamos em 1949, no segundo campeonato norte-irlandês depois da parada de 6 anos por conta da Segunda Guerra Mundial.
O contexto futebolístico norte-irlandês era bem parecido com o escocês: o protagonismo da liga era dividido entre dois times, o Linfield, azul, representante da população protestante; e o Belfast Celtic, time fundado com inspiração no Celtic escocês, para reunir a comunidade católica.
O contexto político também era complicado: de 1918 a 1921 tivemos a guerra da Irlanda. O sul – católico – e o norte, território chamado de Ulster, que era de maioria protestante, se separaram e formou-se o Estado da Irlanda do Norte, com a capital em Belfast.
Os conflitos culturais se desenrolam até hoje. Basta dizer que a Irlanda do Norte é parte do Reino Unido e reverencia a monarquia da rainha Elizabeth, enquanto a Irlanda é uma república independente.
Mesmo com essa separação, uma numerosa população católica não quis se mudar para o Sul e ficou em Belfast. Com eles, ficou o clube que os representava, o Belfast Celtic. Não é necessário dizer que a rivalidade com os protestantes do Linfield depois da guerra ficou muito mais intensa e, infelizmente, violenta.
Logo depois de ser fundado, em 1891 (3 anos depois do Celtic escocês), o Belfast Celtic começou a traçar uma trajetória de sucesso na Irish League.
No período dessa história pouco contada (1949), estava em seu auge: havia vencido 11 títulos dos últimos 15, e era hexacampeão consecutivo. A torcida do Linfield não aguentava mais a humilhação.
Confusão em jogo decisivo
No campeonato de 1948-49, parecia que enfim o Linfield voltaria a vencer. O time azul estava 3 pontos à frente, e receberia o Belfast Celtic em seu campo, o Windsor Park, para o clássico decisivo. Era o Boxing Day, natal de 1948.
Jogo tenso, 0-0 amarrado. Aos 80 minutos, um pênalti cala os 30.000 protestantes presentes: 0-1, gol do Celtic. Era inacreditável. A atmosfera foi se tornando cada vez mais hostil.
Até que veio o gol do título do Linfield: Billy Simpson, de cabeça, nos acréscimos.
Alguns jogadores do Belfast Celtic observaram que a reação dos policiais foi comemorar e jogar os chapéus para cima. Isso, misturado com a raiva com que comemoravam os adeptos do Linfield, os preocuparam.
E o inevitável aconteceu. Sob olhar cúmplice da polícia local, os torcedores do Linfield invadiram o campo no apito final e partiram para a violência contra os jogadores do Belfast Celtic.
Vários foram agredidos. O artilheiro dos verdes, Jimmy Jones, teve a perna chutada tantas vezes que seu diagnóstico depois da confusão era a amputação (outro médico, depois, salvou sua perna).
Os jogadores não encontravam a saída para os vestiários e se protegeram como podiam da fúria da torcida rival.
O fim de um grande clube
A confusão gerou uma reação muito crítica da opinião pública. Até mesmo a torcida oficial do Linfield negou envolvimento e se desculpou com os jogadores.
Mas ninguém foi punido, nenhum torcedor e nem o Linfield. E a diretoria do Belfast Celtic sentiu que isso era uma ameaça ao clube e seus torcedores.
Por isso, em abril de 1949, o Celtic vendeu todos seus jogadores e enviou à Federação Irlandesa sua carta de desistência e de descredenciamento.
O clube fez um tour de despedida pela América do Norte e depois simplesmente deixou de existir. A Irlanda do Norte perdeu um de seus dois grandes clubes, e os torcedores católicos, agora sem clube, abandonaram também o futebol.
Neste dia, a violência venceu em Belfast.