A seção “Clubes e Política” de hoje começa a falar um pouco sobre o grande clássico escocês: Rangers x Celtic, conhecido como The Old Firm.
Considerado por muitos o clássico de maior rivalidade no mundo, o atrito entre Celtic x Rangers tem origens religiosas e também políticas. Hoje falaremos dos azuis do Rangers, e domingo que vem traremos a perspectiva do Celtic.

Origens do Rangers e do clássico Old Firm

Para falar do Rangers, e da rivalidade da Old Firm, precisamos voltar ao século XVI, antes da fundação dos dois clubes.
As ideias da Reforma Protestante, uma proposta de mudanças do catolicismo cristão da Idade Média, atingiram fortemente a Europa, mas talvez o país onde mais tenha tido impacto seja a Escócia, processo esse liderado por John Knox.

Retrato de John Knox, nome responsável pela Reforma Protestante na Escócia
Fonte: Wikipedia

E a coisa se deu de maneira violenta: os protestantes estabeleceram suas crenças nas duas maiores cidades, Glasgow e a capital Edimburgo, e passaram a destruir pequenas cidades católicas, promovendo em alguns casos o que poderia ser chamado de limpeza étnica.

De fato, a Escócia, antes uma nação católica, se tornou com a Reforma um território de maioria protestante. E assim foi durante os 300 anos seguintes.

O nascimento da rivalidade

Na metade do século XIX, a Escócia passou a crescer bastante economicamente por conta das indústrias e dos portos, e com isso recebeu muitos imigrantes da Irlanda, católicos.
Esse crescimento, junto com a recepção nem sempre agradável dos escoceses, resultou na formação de comunidades católicas em Glasgow e Edimburgo. Claro que haveria resistência.
Nesse contexto, o Rangers nasce, em 1872. Com as cores britânicas (azul e laranja), foi fundado como um clube protestante e representante dos trabalhadores escoceses, mas não tinha, no início de sua história, uma posição oficial religiosa ou política.
Isso mudou com a fundação do Celtic, em 1888. Um padre marista católico decidiu fundar o clube verde para que os jovens católicos de sua comunidade pudessem se divertir em instituições católicas, longe da influência protestante.

Torcidas de Rangers e Celtic dividindo o Ibrox Stadium
Fonte: FutebolNews

Logo no início da sua história, o Celtic teve grande sucesso. E foi aí que nasceu a rivalidade. A posição contrária ao Celtic da Escócia protestante fez com que o Rangers, que conseguiu algumas boas vitórias contra o time celta, fosse adotado pelos escoceses protestantes como o seu time e o seu lugar.

Com isso, a torcida azul foi se formando de forma bem ideológica e política.
O laranja presente em suas cores passou a ser uma homenagem a Guilherme de Orange, o Rei Billy, que destronou a monarquia católica em 1688.
E o azul royal, a cor da realeza, contribuiu para a posição política de acreditar na união do Reino Unido e reverenciar a família real britânica e a Rainha Elizabeth. No plebiscito de 2014 sobre a separação da Escócia do Reino Unido, a torcida do Rangers fez forte campanha pelo voto “Não”.

Torcida do Rangers pede pelo voto “Não” no plebiscito de separação da Escócia do Reino Unido.
Fonte: FutebolNews

A grande rivalidade do mundo do futebol

O sectarismo entre azul e verde só se fortaleceu nesses 130 anos de clássico. As brigas são frequentes. Há uma divisão de bairros em Glasgow e Edimburgo, os bairros do Rangers e os do Celtic. No ótimo livro “Como o Futebol Explica o Mundo”, Franklin Foer conta um caso de quando foi parar em um bairro do Rangers com uma camisa verde e correu sério risco.
Até mesmo empregos são negados se o candidato for torcedor do time rival. A questão religiosa se tornou menos importante: com a globalização e a Lei Bosman, não são raros jogadores católicos entrarem em campo pelos Rangers. Ainda assim, a questão política entre os dois se aflorou.
Alguns analistas costumam colocar o Rangers no lado da direita no espectro político, por terem um perfil mais conservador e por terem se tornado um bastião do liberalismo fervoroso. A defesa da unidade do Reino e da monarquia também contribuem para esse perfil conservador.

Faixa da torcida dos Rangers
Fonte: The Sun

As músicas cantadas no Ibrox Stadium, casa dos azuis, mostram claramente essa separação: “estamos cobertos até os joelhos de sangue feniano” (movimento separatista irlandês) e “foda-se o papa” são bastante comuns.

E nos pubs dos bairros do Rangers, em meio às fotos da Rainha Elizabeth e das bandeiras britânicas, os torcedores não cansam de dizer: “Se uma tropa com as cores da Rainha não faz seus olhos encherem de lágrimas, então foda-se…você não pode ser um Ranger”.
Na última década, o Rangers teve problemas financeiros e teve que renascer, partindo da quarta divisão. O Celtic venceu 9 títulos seguidos. Mas os azuis mostraram sua grandeza e voltaram à elite, sendo campeões novamente em 2020, sob comando do ídolo do Liverpool Steven Gerrard. A rivalidade está no auge novamente.