A HISTÓRIA DE CARLOVICH
Tomás Carlovich nasceu em Rosário no final da década de 40. Provavelmente você nunca ouviu falar nele ou sequer viu algum lance com a bola nos pés. Isso porque ele nunca jogou em um grande clube de Buenos Aires, jamais vestiu a camisa da seleção argentina e preferiu passar a maior parte da carreira no pequeno Central Córdoba, clube de sua cidade natal.
Ele jogou nas décadas de 60 e 70, e quem o viu jogar diz que ele foi um dos melhores argentinos da história do futebol.
Mas, se ele era tão bom assim, por que pouco se fala nesse suposto gênio da bola? Bem, Carlovich, ou “el Trinche” (como era conhecido), preferiu viver a vida e não levar os treinos a sério. Ele adorava seu bairro e os amigos que fizera em sua infância e adolescência. Ele, literalmente, escolheu defender clubes com menos expressão no futebol argentino, e jogar campeonatos de menor importância e que não exigiam tanto da parte física.
A revista El Grafico, que existe desde 1919, certa vez descreveu El Trinche como:
“Era um meia central elegante, virtuoso e um tanto quanto displicente. Andava devagar, mas com raciocínio inversamente proporcional à sua caminhada. Carlovich é algo como o expoente máximo do arco lírico do futebol argentino.”
ROSÁRIO CENTRAL E CENTRAL CÓRDOBA
Carlovich começou no futebol desde cedo. Aos 14 anos passou em um teste do maior time da cidade, o Rosário Central. Aos 16 passou a ser relacionado aos jogos e só estreou mesmo com 20 anos.
Ele tinha uma habilidade e técnica inquestionável, era fora do comum sua facilidade com a redonda nos pés. Contudo, aos 22 anos, o clube já não aguentava sua falta de comprometimento nos treinos. Foi, então, que ele chegou ao clube que é ídolo: Central Córdoba.
Ele conseguiu levar seu time a segunda divisão do campeonato argentino e, por lá, também voltou a série C. Viveu muitos causos em sua curta carreira.
AMISTOSO CONTRA A SELEÇÃO ARGENTINA EM 1974
Enquanto atuava pelo Central Córdoba, ele fez sua partida mais emblemática da carreira. A Seleção Argentina estava em fase de preparação para a Copa do Mundo de 74, por isso foi marcado um amistoso entre alguns jogadores apanhados do futebol argentino contra a seleção da Argentina. Os jogadores que enfrentariam a seleção eram cinco do Rosario Central, cinco no Newell’s Old Boys e Carlovich. Aliás, eraum time muito bom, como: Mario Alberto Kempes, Mario Zanabria, Carlos Aimar e Daniel Killer.
Apesar disso, foi El Trinche que tomou conta da partida!
Ao final do primeiro tempo, os “apanhados” venciam a seleção argentina por 3×0. Ele jogou tanta bola, mas tanta bola, que o técnico da Seleção na época, Vladislao Cap, solicitou à equipe de Rosario que substituísse Carlovich da partida. E assim se fez.
No segundo tempo, a seleção conseguiu diminuir o placar, mas o amistoso terminou 3×1.
CERA E CARTÃO VERMELHO RETIRADO
Certa vez, também enquanto defendia as cores do Central Córdoba, o time precisava segurar uma vitória, era a terceira divisão argentina. El Trinche, sabendo que o resultado os colocava na disputa da segundona, segurou a bola nos pés por 10 minutos. Não há vídeos que comprovem, mas os mais velhos e antigos torcedores do Central juram que ele prendeu a redonda por esse tempo.
Há outra história, dessa vez ele vestia a camisa do Deportivo Maipú. Ele foi expulso do jogo e a torcida, assim como fez com Pelé, invadiu o campo e pressionou o juiz para que voltasse atrás da decisão. Não teve jeito, Carlovich precisou voltar do vestiário para a partida continuar.
CANETA DUPLA
Uma marca registrada de sua genialidade, era o fato e a facilidade que ele tinha em dar canetas seguidamente em seus oponentes.
Certa vez, também pelo Central Córdoba, ele enfrentou o Talleres de Remedios de Escalada. Alguns torcedores que sentavam atrás do banco de reservas começaram a gritar e pedir “el túnel” (caneta, rolinho). Ele, ao ouvir o pedido, imediatamente aplicou duas canetas no marcador; um para frente e outra em seguida para trás. A torcida delirou.
FINAL TRÁGICO
Infelizmente não temos muitos imagens ou gravações de El Trinche, apenas o boca boca. Contudo, é um boca boca de respeito. José Pekerman, ex-jogador e treinador da seleção argentina, disse que ele é o melhor meio-campista central que já viu. Já Mario Kempes detalhou um pouco mais:
“Canhoto hábil, mágico, engenhoso, velhaco, que não era fanático por treinos nem se deslumbrava com as luzes de Buenos Aires”
Para Jorge Valdano, El Trinche é poesia:
“Sua lenda é um lugar comum em Rosário, em toda a província de Santa Fe. Tornou-se um símbolo de um futebol romântico que já praticamente não existe”
Para Diego Maradona, Carlovich foi um ídolo! Tanto que em 1993 o craque retornou ao país para jogar no Newell’s Old Boys. Depois de ser definido por um jornalista como “o melhor jogador de futebol argentino”, Maradona respondeu para ele:
“O melhor jogador de futebol argentino jogava em Rosário, e seu nome é Carlovich”
Em 2020 um fim trágico. Ele tinha uma vida simples em Rosário e, durante um assalto, foi agredido por um ladrão que tentou roubar sua bicicleta. Dois dias em coma e acabou falecendo aos 74 anos.