Os Reds não tem um posicionamento ideológico tão marcante quanto alguns clubes que já tratamos nesta coluna. Mas sim, é válido dizer que o Liverpool está, pelo menos em suas origens, posicionado à esquerda no espectro político. O clube é natural de uma das cidades mais socialistas da Inglaterra, com histórico ligado ao movimento operário e ao fluxo de pessoas no porto. Por tudo isso, têm, de acordo com sua própria diretoria, uma filosofia de gestão ligada às ideias de que o coletivo sempre está acima das individualidades. Vem que eu te conto aqui no Clubes e Política.

Origens do Liverpool

A história do Liverpool Football Club começa com dois personagens: um homem chamado John Houlding; e um arquirrival de nascença, o Everton. Estamos em 1892 e, pasmem, quem jogava em Anfield Road era o Everton. O empreendedor John Houlding, que depois seria “Senhor prefeito” de Liverpool, comprou o estádio de Anfield. E então propôs um aumento do valor do aluguel que o Everton pagava para jogar ali.

O Conselho do Everton recusou e passou a mandar seus jogos em outro local, até erguer a sua casa, o Goodison Park. Houlding tinha então um estádio sem clube; tomou portanto a decisão de criar um segundo time na cidade: nascia o Liverpool.

Após jogar durante 2 anos de azul, o Liverpool adotou de vez a cor da cidade, o vermelho, em 1894; e em 1901 adotou como emblema e mascote a Liverbird, ave símbolo da cidade de Liverpool.

A maior figura do clube: um socialista

Pode-se dizer que a escolha do vermelho tenha sido o primeiro ato político do novo clube. A cidade tinha um caráter profundamente industrial e trabalhista, sendo composta em grande parte pelos trabalhadores do porto e das indústrias da cidade que se tornava o motor da Inglaterra pós-revolução Industrial. Primeiramente, apenas a camisa era vermelha, com os shorts brancos.

Surge então o grande personagem da história do Liverpool: o extraordinário treinador Bill Shankly chega em 1959. A maior figura da história dos Reds – a torcida do Liverpool costuma dizer que Houlding fundou, mas Shankly construiu o Liverpool -, Shankly foi o primeiro treinador a dar reputação internacional ao Liverpool e era um militante do Labour Party (Partido Trabalhista).

O treinador Bill Shankly, maior figura do Liverpool
Fonte: The Sun

Nunca escondeu a sua ideologia política. Aspas para ele: “O socialismo que eu acredito é cada um a trabalhar para todos, e todos colhendo os proveitos do trabalho coletivo. É assim que eu vejo o futebol e a vida”

Muito mais do que futebol

Shankly impôs muito mais que treinamentos ou táticas. Impôs uma filosofia ao Liverpool, um modo de ser, que envolvia o conceito de comunidade, a ligação com os seus torcedores de maioria operária e a criação de um espírito familiar entre jogadores, funcionários e população.

Basicamente, trouxe os conceitos em que acreditava na vida e na política para o futebol. Tirou o Liverpool da segunda divisão e levou o clube às primeiras grandes glórias na Copa da Inglaterra e internacionais (Copa da UEFA em 1973).

Em 15 anos treinando o clube, deixou o caminho pronto para seu sucessor Bob Paisley, que venceu 3 Liga dos Campeões e dominou a Europa na década de 1970.

Bandeira em Anfield, onde fica a famosa torcida The Kop. “Verdadeiro socialismo”

Atuação política do Liverpool e sua torcida

Outro fator que liga o Liverpool ao trabalhismo inglês é a reação ao governo de Margaret Thatcher entre 1979 e 1990. As políticas neoliberais e de austeridade da conservadora inglesa tiveram muitos impactos na cidade de Liverpool: desemprego, privatizações de fábricas, queda na renda da cidade e revoltas.

Desde 1950 até os dias atuais, o Conselho de Liverpool sempre teve maioria trabalhista. E foi uma importante fonte de resistência às crueldades thatcherianas. O bairro de Toxthet, um dos maiores e mais ricos de Liverpool, perdeu 1/3 da sua população no ano de 1981.

Em 1989, já no fim do governo Thatcher, o desastre de Hillsborough matou 96 torcedores. A polícia, responsabilidade do governo, foi acusada de negligência, mas o governo nada fez. Nenhuma punição. O discurso oficial era de que a culpa era só dos torcedores. Liverpool se tornou um espírito da Inglaterra anti-Thatcher. Já em 1990, quando ela deixa o governo, a cidade comemora. E comemora também quando a Dama de Ferro morre, em 2013.

Bandeira de torcedores do Liverpool com os dizeres: “Ding Dong, a bruxa está morta”
Fonte: We Are Liverpool

O Liverpool é muito forte também em causas sociais. Foi o primeiro clube de futebol a apoiar uma parada LGBT e é, sem dúvida, a torcida mais politicamente engajada do Reino Unido. De fato, no Liverpool futebol e política andam lado a lado. Como a própria torcida costuma dizer, torcer para o Liverpool é um ato político.

Em entrevista que repercutiu muito em 2019, Peter Moore, que era então o CEO do clube, deixou claro os conceitos que guiam o Liverpool esportivamente até hoje: coletividade, solidariedade e trabalho em equipe.

E completou: ” (…)  os elementos socialistas que permeiam o clube e a cidade, os desafios que empolgam o que significa o clube para muita gente que não teve a oportunidade de ter nada melhor na vida do que seu amor pelo clube.”

É claro que o caráter capitalista do futebol também envolveu o Liverpool. A tradição socialista se coloca muito mais, hoje, na cultura de jogo do que efetivamente na atuação no mercado. Inclusive, na polêmica criação da Superliga Europeia, que fracassou, o Liverpool aparecia entre os fundadores. Mas foi uma das torcidas que mais se indignou, e os diretores tiveram que lidar com protestos e manifestações.

Mais uma vez, aspas para Shankly: “Acredite em mim: não há o que temer no socialismo! Uma política socialista é uma política de igualdade, do bem à sociedade, onde todos tenham oportunidades iguais.” Isso é o Liverpool. Se você discorda, repense sua torcida.

Bandeira “à soviética” com os principais treinadores da história do Liverpool: Shankly, Paisley, Fagan, Dalglish, Rafa Benítez e Klopp
Fonte: We are Liverpool

 

Fontes de inspiração para o texto:

Link Twitter We Are Liverpool

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