“Mès que un club”: o slogan do Barça já diz tudo. É mais que um clube. É o espírito de uma cidade, de um Estado, de uma língua, de uma região.
O FC Barcelona não vai se colocar em nenhum ponto da direita ou da esquerda, mas sua atuação política é inegável e sempre forte: cosmopolita, independente, de valorização cultural e da identidade catalã e contra qualquer tipo de autoritarismo.
A seção “Clubes e Política” de hoje vai falar dessa história dessa conexão entre Barça, a política e a Catalunha.
Origens do Barça
O FC Barcelona começa com um imigrante. O empresário protestante suíço Hans Gamper chegou à Catalunha nos fins do século 19 e ficou. Encantou-se pela região e criou raízes. Mudou o seu nome para a tradução catalã: Joan Gamper.
Em 1899, ele se juntou a alguns expatriados ingleses e fundou o clube. A intenção dele era que o clube popularizasse o futebol na região e celebrasse a Catalunha e sua autonomia. Foi na sua presidência que o clube adotou as cores catalãs (vermelho-grená e amarelo) e a cruz de San Jordi, padroeiro da região-Estado.
Já o azul, segundo algumas teorias, vem da inspiração na Revolução Francesa.
De fato, o Barça sempre carregou esse espírito revolucionário. Sua estética e tradição sempre teve tons modernistas, elegantes, cosmopolitas. No início da década de 1930, antes da Guerra Civil Espanhola, era possível falar que o Barcelona era um clube esquerdista, anarquista. Um coletivo de trabalhadores de um estado-nação independentista.
A ditadura de Franco
No período ditatorial de Francisco Franco, logicamente, o clube sofreu com essa inclinação. Já antes de Franco, o antigo regime castelhano da década de 1920 proibiu a bandeira catalã, a língua e fechou o estádio do Barça por 6 meses. Também mandou Gamper embora do país, e ele se viu obrigado a ir sob ameaças de morte.
E na ditadura de Franco não poderia ser diferente. A perseguição em alguns momentos era discreta, em outros era claríssima. O regime franquista, como contamos aqui, claramente apoiou o Real Madrid como time da realeza, ajudando inclusive na construção do Santiago Bernabéu e na contratação de Di Stéfano anos mais tarde.
Em 1936, o ato mais grave: com a desculpa de reprimir algumas barricadas construídas pelo movimento de guerrilha catalã, as tropas de Franco invadiram Barcelona e decretaram o expurgo de quatro instituições: o comunismo, o anarquismo, o separatismo e o FC Barcelona.
O presidente blaugrana na época, Josep Sunyol, passava de carro por Guadarrama quando caiu em uma barreira de soldados franquistas. Quando foi reconhecido, foi covardemente fuzilado.
Além disso, nessa mesma ocupação de Barcelona pelas tropas do ditador, um grupo de soldados fez questão de colocar uma bomba dentro do prédio em que ficavam guardados os troféus do Barça.
Evolução e resistência
Ainda assim, o Barça resistia e ia crescendo. Durante a ditadura franquista, que durou até 1975, o clube foi um centro de resistência. Depois da inauguração do Camp Nou, em 1957, era somente lá que os catalães podiam gritar contra o regime e falar na sua língua.
Essa tradição moderna, catalã, cosmopolita se mantém até hoje. E traz consigo uma outra característica: a pacificidade. A torcida do Barcelona tem seus posicionamentos políticos, tem seus rivais, mas muito dificilmente se envolve em eventos de violência.
A atmosfera é sempre convidativa e inclusiva: é o estádio na Europa, segundo pesquisas, que mais recebe turistas, mulheres e crianças.
Sempre foi um celeiro de craques, tanto formados na famosa categoria de base de La Masia, quanto estrelas internacionais, especialmente brasileiros, argentinos e holandeses: é só lembrarmos de Maradona, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, Neymar e Messi. Uma mistura europeia e latina, sempre com futebol ofensivo, que quer controlar o jogo e a bola.
De fato, como dizia o famoso escritor catalão Manuel Vazquez Montalbán, o FC Barcelona é a “arma épica de um país sem Estado”. De fato, é “mais que um clube”.
E como diz Franklin Foer em “Como o Futebol Explica o Mundo”, se você é progressista, está do lado dos oprimidos, é liberal nos costumes e não quer um clube com passado xenófobo, racista, autoritário, de torcida violenta, o seu cantinho na Europa só pode ser o Barcelona.