A seção ‘Clubes e Política’ de hoje traz uma relação interessante entre o futebol e questões políticas e religiosas.
O Tottenham não tem uma história mais à esquerda ou mais à direita, mas construiu sua história a partir de uma relação muito carinhosa com a comunidade judaica de Londres, o que influencia na luta política contra o antissemitismo que insiste em rondar a Europa. Vem comigo que te conto.
Origens do Tottenham
O Tottenham Hotspur Football Club foi fundado em 1882 por um grupo de garotos de uma escola bíblica que faziam parte de um clube de cricket chamado Hotspur.
Poucos anos antes, a Inglaterra havia legalizado a prática do judaísmo em suas terras. Isso fez com que uma legião de imigrantes chegasse a Londres, vindos do leste europeu, onde a perseguição ainda era incansável.
Ao chegarem, sem muito dinheiro, se instalaram na parte mais pobre da cidade, o Norte de Londres, principalmente no distrito de Tottenham.
Os novos moradores e o novo clube estabeleceram uma relação de muito carinho e pertencimento.
Os judeus abraçaram o clube e criaram com o time e o estádio uma camaradagem, e o clube se tornou um espaço para conviver com a comunidade e esquecer um pouco as dificuldades da vida cotidiana de imigrantes.
Em 1934, uma pesquisa feita pelo jornal Daily Express relatou que ao menos um terço da torcida presente no White Hart Lane, estádio dos Spurs, era de origem judaica.
Tottenham e a relação com os judeus
De fato, a essência do Tottenham foi se construindo na relação com essa comunidade. Os torcedores referem-se a si mesmos como “Yid’s”, ou “Yiddoes”, que é um nome étnico que se refere aos judeus.
É um apelido considerado por muitos pejorativo, mas que a torcida dos Spurs adotou para si com o intuito de ressignificar.
Os jogadores favoritos, quando fazem uma bela jogada, são chamados de judeus.
Isso acontece também por outro fator: a rivalidade. Enquanto essa relação entre Tottenham e judeus se construía, a violência contra a torcida dos Spurs cresceu, vinda principalmente dos torcedores rivais da cidade, o Chelsea, que tinha um grupo de hooligans declaradamente antissemita.
Para alimentar a rivalidade, os hooligans do Tottenham foram os primeiros a se nomear como Yid’s, o que fez o apelido se espalhar.
Mais recentemente, isso teve como consequência uma história horrível: torcedores do Chelsea, em jogos contra o Tottenham, começaram a imitar o som das câmaras de gás de Auschwitz, para provocar os rivais.
O dono do Chelsea, Roman Abramovich, que é judeu, prometeu criar ações de conscientização, inclusive levar os torcedores antissemitas para visitar Auschwitz e conhecer os horrores do Holocausto.
Em 1980, uma história divertida
O contexto da relação entre Tottenham e judaísmo criou também uma história engraçada, que fortaleceu ainda mais a ligação dos Spurs com os judeus: em 1980, o Manchester City veio visitar o Tottenham, em jogo da Copa da Inglaterra.
Em certo momento, os torcedores de Manchester cantaram uma música mais ou menos assim: “Vamos correr em volta do Tottenham esta noite com o pau para fora. Porque nós temos prepúcio e vocês não, nós temos prepúcio e vocês não”.
A reação da torcida dos Spurs foi certeira: os judeus da torcida reuniram-se, arrancaram as calças e balançaram seus membros circuncidados de forma desafiadora para seus rivais que, surpreendidos, se calaram.
A história dessa inesperada relação continua até os nossos dias. Grande parte do atual crescimento e relativo sucesso do Tottenham se deve às gestões de presidentes judeus, como Irving Scholar, na década de 80 e Alan Sugar na década de 90.
O atual presidente, Daniel Levy, que comanda o clube desde 2001, e o atual dono do clube, o bilionário Joe Lewis, também são judeus.
Em dia de jogo no novo Tottenham Stadium, o que mais se destaca nas ruas de acesso são as tendas de vendedores com a camisa branca e azul. Na maioria delas, marca presença os dizeres “Yid4ever”: “Judeus para sempre”.