O protagonista da seção Clubes e Política de hoje é o Amed SK, ou Amedspor, clube que hoje está na terceira divisão do futebol da Turquia. Você pode estar se perguntando agora: e como um clube tão modesto pode se relacionar com política? Arrasta pro lado que eu te conto.
Origens do Amed SK: o Curdistão
Bom, vamos começar do início: para falar do Amed, é preciso primeiramente falar do Curdistão.
Os curdos são um grupo étnico formado principalmente por turcos (maioria), iranianos, iraquianos e sírios. Têm como religião o lazidismo, um híbrido das culturas judaica, cristã e islâmica.
Eles ocupam uma região que abrange o sul da Turquia e algumas partes pequenas do Irã, do Iraque e da Síria, e reivindicam que essa parte do Oriente Médio seja reconhecido como Estado autônomo do Curdistão.
São mais ou menos 30 milhões de pessoas, ou seja, é um dos maiores grupos étnicos no mundo que não tem um Estado reconhecido. Essa tentativa de reconhecimento fez piorar a situação: hoje, são considerados pela Turquia, pelos EUA e pela OTAN como grupo terrorista.
Os curdos são um povo guerreiro, progressista e que tem como líder institucional o PKK, Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que se coloca à esquerda no espectro político.
Pois bem: é claro que essa guerra chega também ao futebol. O Amed SK é nada mais nada menos que o representante curdo na Liga da Turquia.
Fundado como Diyarbakir, nome turco para sua cidade natal, o clube era um modesto e comum time das divisões inferiores da Liga.
Até que em 2014 a diretoria decidiu mudar o nome do clube para o nome curdo da cidade, Amedspor. A reação do governo turco foi imediata. Com ordens superiores, a Liga turca multou o clube por propaganda ideológica.
Evolução e punições
Em 2016, aconteceu o que a Liga menos gostaria: mesmo sendo um time das divisões inferiores, o Amedspor fez bela campanha na Copa da Turquia e chegou às quartas de final eliminando o Bursaspor, importante time da elite turca.
Neste jogo, os nacionalistas turcos do Bursaspor entoaram cânticos ofensivos contra os curdos e formaram uma confusão generalizada. Apesar dos turcos terem dado início ao conflito, não sofreram nenhuma represália. Apenas o Amed foi punido, tendo que jogar as quartas de final contra o forte Fenerbahce com portões fechados.
O Amed ainda conseguiu um empate, mas foi eliminado no jogo da volta em Istambul. Mas essa campanha trouxe de volta o orgulho curdo do seu time de futebol e aumentou as tensões.
Por isso, o Amedspor sofre outras tantas punições até os dias de hoje. Nos jogos fora de casa, seus torcedores são proibidos de ir, já que não são permitidas bandeiras e manifestações curdas em eventos na Turquia. Além disso, qualquer tipo de produto do clube ou peça de marketing não podem ser vendidas ou veiculadas.
Naki, representante do clube
Uma figura representativa do Amed Sk é o atacante turco-alemão Deniz Naki. De origens progressistas, o atacante já havia jogado pelo clube mais esquerdista da Alemanha, o St. Pauli (tema do primeiro texto desta seção) e quando chegou ao Amed colocou seu posicionamento político sem meias palavras.
Criticou o presidente Erdogan e falava abertamente sobre o Curdistão e a necessidade do Estado autônomo. Acabou sendo banido pela Federação Turca de Futebol e inclusive condenado a 18 meses de prisão por “propaganda terrorista”.
Ele participou também de uma greve de fome em frente ao prédio da ONU, reivindicando sanções contra Erdogan por invadir territórios sírios. Em 2018, visitando parentes na Alemanha, teve seu carro alvejado por dois desconhecidos, escapando por pouco da morte.
Com todas as dificuldades e com esse contexto sempre hostil, o Amedspor segue jogando e tentando chegar um dia à elite da Liga.
Tenta, de alguma forma, contribuir para ter seu território e sua cultura reconhecidos como Estado.
O principal slogan do clube demonstra a preocupação com os mais novos: “Que as crianças não morram, mas sim vejam futebol”.