No texto número 10 desta seção falamos um pouco sobre o Partizan Belgrado. Agora é o momento da coluna ‘Clubes e Política‘ falar sobre o grande rival do Partizan, o Estrela Vermelha, maior vencedor da Sérvia. A ligação do Estrela Vermelha com a política sérvia é intrínseca, talvez a relação mais próxima entre um clube e a política.

Mas, ao mesmo tempo, é difícil definir essa relação, pois a ideologia e o posicionamento foi mudando com o tempo, devido a vários fatores. Vem comigo que eu te conto.

Torcida do Estrela Vermelha fazendo festa.
Fonte: O Canto das Torcidas

Origens do Estrela Vermelha

O Estrela, assim como seu grande rival Partizan, surge em 1945. O cenário político europeu é o do fim da Segunda Guerra Mundial e o surgimento da guerra fria entre capitalismo e comunismo.

No mesmo ano, a Iugoslávia abole a monarquia e instaura a república, colocando no poder o Partido Comunista e o ditador Josip Tito, que governou durante 35 anos.

Nesse tempo, houve grande apoio do governo central aos clubes esportivos. O Estrela Vermelha, pode-se dizer, tem uma origem socialista, que nasce junto com o governo comunista, e rondado por ideias antifascistas. Sendo o Partizan o time do Exército, o Estrela se forma como time civil, formado principalmente por policiais.

Faixa grande na torcida do Estrela.
Fonte: O Canto das Torcidas

Os dois clubes se colocam como os maiores da Iugoslávia, ambos patrocinados pelo governo comunista. Mas chega a década de 1980 e tudo muda.

Contexto dos Balcãs na década de 1980

Influenciadas pelas ondas mundiais, as repúblicas socialistas que formavam o país (Bósnia, Croácia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Eslovênia) começaram, ainda que timidamente, a defender a dissolução do regime e a conquista de suas independências.

O Estrela Vermelha tornou-se, então, um ninho do nacionalismo sérvio, defendendo a independência e poder do povo da Sérvia. Não podendo contar com o Exército (origem do Partizan), que mantinha suas origens comunistas e rejeitava uma identidade totalmente sérvia para a Iugoslávia, a torcida do Estrela se tornou de fato uma força paramilitar.

Criou-se uma tradição que se mantém até hoje no clube: a torcida oficial faz parte do quadro de funcionários do clube, são remunerados e atuam com métodos bem próximos aos de gângsters.

Os movimentos independentistas das repúblicas que formavam a Iugoslávia cresceu. O presidente Slobodan Milosevic assume a Sérvia em 1990 com discurso separatista e fortalece o nacionalismo sérvio em Belgrado.

Partizan x Estrela Vermelha, o grande clássico esportivo e político do país, conhecido como Dérbi Eterno.

Participação nas guerras

Os jovens torcedores do Estrela Vermelha foram, de fato, a linha de frente, a tropa de choque do presidente Slobodan Milosevic nesse contexto de disputa cultural e territorial.

A rivalidade com os croatas se acirra muito, trazendo violência e cânticos que faziam alusão aos massacres de um povo sobre o outro nos conflitos. Episódios como a joelhada de Boban, que contamos aqui, fazem com que o ambiente seja sempre de muito conflito.

Faixa na torcida do Estrela que protesta contra as Ligas Croatas.
Fonte: Sportske.ba

Nesse contexto, aparece uma figura importante: o pistoleiro da Polícia Secreta Zeljko Raznatovic, conhecido pelo apelido de Arkan.

Ele toma para si a liderança da força paramilitar do Estrela Vermelha e se torna muito poderoso. Cria, dentro do grupo de torcedores, uma tropa de elite, chamada de Delije, ainda mais violenta e ultranacionalista.

Arkan e a radicalização da Delije

Arkan, grande líder da Delije, torcida ultra do Estrela que se tornou força paramilitar na Sérvia
Fonte: Maracanazo

Alguns episódios da vida de Arkan são impressionantes. Cito aqui um deles: uma vez, em um tribunal sueco, um sócio de Arkan, Carlo Fabiani, estava sendo julgado. Arkan surgiu pelas portas do tribunal, com uma arma em cada mão. Apontou uma para o juiz e jogou uma para Fabiani, o réu. O sócio fugiu, assim como Arkan, que pulou espetacularmente pela janela.

Arkan foi morto em 2000, enquanto tomava café da manhã em um hotel em Belgrado. Uma das versões diz que o mandante pode ter sido Milosevic, por conta do enorme poder que Arkan estava alcançando.

Arkan realmente transformou os hooligans do Estrela Vermelha em um grupo politizado, ultranacionalista sérvio e unificou todos os outros pequenos grupos dissidentes.

O estádio do Estrela se tornou quartel e local de treinamento de guerra. O lema: “Sérvia sim, Iugoslávia não”.

Era efetivamente uma força política importante no contexto sérvio. Os jogadores do Estrela Vermelha, fortalecendo a posição do clube, visitavam o grupo e os feridos.

Título da Champions e a traição de Slobodan Milosevic

Em 1991, veio o título mais importante do clube: a Champions League, em final contra o Olympique de Marselha. O Estrela também vence o Mundial, 3-0 sobre o Colo-Colo. A moral e a grandeza do clube estavam em seu auge.

Estrela Vermelha campeão da Champions em 1991.
Fonte: Trivela.

Mas a posição política de Milosevic subitamente mudou: quando, afetadas também pela onda nacionalista, Croácia e Eslovênia deflagraram suas independências, Milosevic e a Sérvia, que ideologicamente poderiam ter apoiado esse movimento, viram que as perdas poderiam ser grandes e declararam a guerra.

Estava iniciada a Guerra dos Balcãs, também chamada de Guerra da Iugoslávia.

Isso fez com que a oposição a Milosevic crescesse muito em Belgrado. E essas forças progressistas conseguiram captar o apoio da Delije, a força paramilitar da torcida do Estrela Vermelha.

Os gângsters da Delije tomaram o protagonismo das manifestações, tomaram prédios públicos, enfrentavam a polícia estatal fiel a Milosevic, tudo isso sempre uniformizados com as cores do Estrela. As independências de Eslovênia, Bósnia e Croácia foram declaradas e reconhecidas internacionalmente.

A deposição de Milosevic não demorou: em 2000, depois de uma intervenção militar da OTAN na Sérvia, Milosevic foi derrubado e levado para julgamento em Haia. A deposição do presidente sérvio ficou conhecida em Belgrado como “a Revolução do Estrela Vermelha”.

Está aí a prova do tamanho da relação do Estrela Vermelha com a política sérvia. Futebol é sempre política, mas na Sérvia essa relação é ainda mais intensa.