A seção “Clubes e Política” de hoje vem falar sobre a história do Spartak Moscou, talvez uma das histórias mais legais sobre resistência política no futebol. O Spartak mostrava, no campo de futebol, toda a resistência popular à tirania de Stalin na União Soviética. Vem comigo que te conto.

Origens do Spartak

1922 é um ano importante na formação política da Rússia. Neste ano, 5 anos após a Revolução Russa, Josef Stálin foi nomeado por Lênin o novo Secretário-Geral do Partido Comunista da Rússia, cargo que lhe dava poderes de chefe de Estado.

Curiosamente, no mesmo ano foi fundado o FC Spartak Moscou, que já nasceu como clube de resistência: surgiu em Krasnaya Presnya, bairro operário da periferia da capital russa, em uma época em que o futebol era restrito às classes mais abastadas. Não por acaso, ganharia, anos mais tarde, a alcunha de “time do povo”.

E seria, também, o representante desse povo mais pobre nos campos de futebol russos, contra a tirania que se tornou o governo de Stálin.

O grande nome: Nikolai Starostin

Nikolai Starostin
Fonte: BBC

É impossível falar do Spartak Moscou sem falar de Nikolai Starostin, maior figura da história do clube. Em 1922, Nikolai e seus três irmãos tiveram a ideia de fundar um clube de futebol no bairro em que moravam. Juntaram alguns amigos e trabalhadores e criaram o MSC (Moscovo Sports Club), que em 1935 se tornaria o Spartak (nome em homenagem ao escravo romano Spartacus, que liderou uma revolta contra Roma).

Nestes tempos, Stálin estava criando suas esferas de poder. E é claro que o futebol não escaparia de suas garras. Conhecedor do poder popular e do potencial de atingir as massas do esporte bretão, Stálin buscou construir o esporte na URSS de forma a ganhar apoio ao seu governo.

Dessa forma, todos os times da União Soviética tinham alguma ligação com o Estado: o Dínamo era o time da polícia secreta soviética; o CSKA era o time do Exército; o Lokomotiv era o clube da empresa ferroviária estatal; já o Zenit era o time da companhia estatal de energia.

Todos tinham uma ligação, com uma exceção: o Spartak. Para Nikolai Starostin, o futebol era a “ilha da honestidade” dentro da sociedade corrupta. E por isso deveria ser pensado para o povo, para o entretenimento desse povo e pensando na paixão do povo. Por isso não representava nenhuma instituição. Representava, simplesmente, as pessoas, os trabalhadores russos. Por isso, tornou-se “o time do povo”.

Torcida do Spartak faz um mosaico 3d no clássico contra o Dínamo.
Fonte: Twitter O mundo das Torcidas.

O time anti-Stálin

Sendo assim, mesmo sem se opor oficialmente ao ditador, o Spartak passou a ser visto como o time anti-Stálin. E foi abraçado pelo povo, já que estamos agora na segunda década de governo do tirano, onde o poder e o dinheiro passaram a passear apenas pela burocracia do partido governante, que deixou o povo um pouco de lado.

De fato, torcer pelo Spartak era se opor a Stálin. E o clube passou a ser visto como um perigo político, um risco para a causa soviética. Com isso, o estádio passou a ser o único local onde esses torcedores conseguiam se manifestar contra as estruturas de poder com alguma liberdade.

A Liga Soviética foi fundada em 1936, e teve o Dínamo, time da polícia secreta, como primeiro clube campeão. Mas já em 1936 o Spartak montou um time que encantou ainda mais os fãs de futebol na URSS. E foi em 1939 que aconteceu o principal evento dessa rivalidade.

Na semifinal da Copa Soviética de 1939, Spartak e Dínamo se enfrentaram. O Spartak venceu por 1-0, mas o gol foi polêmico. A polícia e o governo não aceitaram a derrota. Mandaram que o jogo fosse jogado de novo. O árbitro da partida simplesmente sumiu, nem a família soube de seu paradeiro.

Pois chegou o dia da nova partida. Clima tenso. Starostin em campo, liderando o seu time. Resultado: 3-2 Spartak. Mais uma vez, o time civil, de trabalhadores, vencia os representantes do governo de Stálin.

Não foi surpresa o que aconteceu, afinal todo tirano é antes de tudo um covarde. Nikolai Starostin e seus 3 irmãos foram presos, acusados de “impor costumes burgueses ao povo soviético”. Após anos de julgamentos, um juiz, mesmo stalinista, achou a acusação tão absurda que não conseguiu condená-los e eles foram absolvidos. Mesmo absolvidos, foram sentenciados pela polícia secreta a 10 anos de trabalhos forçados em um Gulag.

Só sobreviveram pois os colegas prisioneiros e até mesmo os guardas eram tão fãs de futebol que os protegeram dos trabalhos e das torturas.

O retorno triunfal de Nikolai Starostin

Não há mal que não termine. Stálin morreu em 1953 e a sentença dos irmãos Starostin foi revogada. Nikolai voltou a Moscou e foi nomeado técnico da Equipe Nacional Soviética. Já em 1955, venceu as eleições para presidência do Spartak Moscou, onde permaneceu por 37 anos, até 1992.

Em 2014, na inauguração do novo estádio do Spartak, a Otkrytie Arena, ganhou uma estátua em sua homenagem, junto a seus 3 irmãos fundadores, com visão privilegiada do campo.

Estátua dos irmãos Starostin, à beira do campo da Otkrytie Arena.
Fonte: Twitter Spartak

O Spartak é o maior campeão da Rússia, com 22 títulos no total (Copa Soviética e Premier League Russa). A torcida é reconhecida como a mais fanática e empolgante do país. Sempre buscando jogar com “estilo de improvisação, romântico e ofensivo”, como defendia Nikolai.

Muito mais que um clube, o Spartak é um clube que simboliza a resistência à tirania. Um campeão dentro e fora do campo.