Brian Clough, protagonista da seção de hoje, é considerado por muitos o maior treinador que a Inglaterra já viu. Ganhou 2 vezes o Campeonato Inglês (um com o Derby County e um com o Nottingham Forest), e alcançou a façanha simplesmente incrível de vencer 2 vezes a Liga dos Campeões com o humilde Nottingham Forest, na década de 1970. Mas além dessas façanhas mais conhecidas, há a história pouco contada: o cara simplesmente pacificou um dos maiores derbys ingleses.

Derby County e Nottingham Forest são rivais desde o século retrasado; a primeira partida entre os dois foi em 1892. As cidades de Derby e Nottingham são separadas por apenas 14 milhas, mais ou menos 25 km. É o East Millands Derby. E não pensem que o nome do Derby County é coincidência. Há duas teorias para o surgimento do termo “Derby” para designar o confronto entre times da mesma região, e as duas envolvem o Derby County. Uma delas diz que a origem vem de um jogo medieval inventado no condado de Derbyshire, onde fica Derby, em que a população da cidade se dividia em duas grandes equipes que ocupavam as margens do rio Henmore. O objetivo seria conduzir uma bola até as balizas nas extremidades. Chamou-se o jogo de Derby. A outra teoria diz que Derby era uma corrida de cavalos anual em Londres que era organizada pelo conde de Derby, Edward Smith Stanley. Primeiro as corridas, e depois qualquer confronto esportivo com rivalidade, passaram a ser conhecidos pelo nome de Derby.

O confronto entre o Derby County e o Nottingham Forest, então, pode até ser chamado de Derby Original. Imaginem só o tamanho da rivalidade. Não são poucos os casos de violência, brigas e jogos pegados entre os dois clubes.

Mas voltemos à história de Brian Clough. O cara foi um ótimo atacante, jogando pelo Middlesbrough e pelo Sunderland, com 267 gols marcados em 296 jogos na Liga Inglesa. Com uma lesão séria no joelho, precisou se aposentar prematuramente. Depois de treinar o pequeno Hartlepool United, na quarta divisão, o jovem Brian, apenas com 32 anos, aceitou o desafio de assumir o Derby County que, apesar de estar na segunda divisão na época, já era um clube tradicional. No segundo ano em seu comando, o clube de Derby foi campeão da segunda divisão (68/69) e encantou a Inglaterra vencendo o título da principal Liga Inglesa três anos depois (71/72). Foi o último título do Derby County. Depois de várias polêmicas com a diretoria e até com a torcida, que ele criticava por não cantar, foi demitido em 1973, depois de seis anos no clube. Mesmo assim, a imagem de ídolo ficou.

Depois de uma passagem ruim pelo Brighton e uma estranha passagem de apenas 44 dias pelo Leeds, Clough chocou os ingleses e os torcedores do Derby County ao aceitar assumir seu grande rival, o Nottingham Forest.

E foi no Nottingham que Brian viveu o auge de sua carreira. Assumiu a figura de um grande personagem inglês, às vezes engraçado, divertido e defensor dos mais pobres, como quando participou de uma marcha de mineiros contra o governo de Margaret Thatcher; mas também outras vezes arrogante, desrespeitoso e até preconceituoso, como na relação com Justin Fashanu, primeiro jogador a se assumir gay na Europa. Clough o teria chamado de “bichinha” e até mesmo impedido o jogador de treinar com os companheiros.

Para além disso, o sucesso em campo foi inegável: no seu segundo ano (77/78) venceu o Campeonato Inglês e a Copa da Liga. Em 1979, dois títulos de Supercopa (inglesa e europeia) e a grande façanha: o título da Champions League, então chamada de Copa dos Campeões da Europa, na final contra o Malmo. Para não parecer apenas uma zebra, veio o mais inesperado ainda, o bicampeonato da Champions League em 79/80. Até hoje o Nottingham é o único clube que tem mais títulos de Champions do que da liga de seu país.

Ficou no Nottingham por 18 anos e venceu mais duas vezes a Copa da Liga, até chegar 1993, quando pediu para sair. Não por acaso, neste mesmo ano o Forest foi rebaixado e nunca mais conseguiu se firmar na Premier League.

Mas quem lê esta história e acha que o cara se tornou mal visto em Derby se engana. O legado foi tão grande que ele continuou respeitado e idolatrado por lá. E é por isso que ele é considerado como o cara que uniu os dois rivais de East Millands. Em 2004, na morte de Clough, as duas cidades e os dois clubes se colocaram de luto em conjunto. E em 2007 veio a ideia de criar o Brian Clough Trophy, um jogo anual entre Derby County e Nottingham Forest em homenagem à memória do treinador. Já foram 16 troféus disputados, com vantagem para o Derby: 11 a 5. Em 2009, a rivalidade se acirrou um pouco com a contratação, pelo Derby, do filho de Brian, Nigel Clough. Provocações aconteceram nos jogos entre os dois e houve brigas nas cidades. Mas tudo se acalmou de novo. Em 2014, nos 10 anos da morte do treinador, a imagem de Clough foi colocada no telão do City Ground, estádio do Nottingham, em jogo contra o Derby. Ambas as torcidas aplaudiram e se emocionaram.

Para ficar ainda mais claro esse legado de uma figura que acalmou um dos Derbys mais violentos da Inglaterra, a pequena rodovia que liga as duas cidades foi renomeada em sua homenagem: é a Brian Clough Way.

Uma história incrível para um treinador incrível.