A seção ‘Histórias Pouco Contadas’ de hoje conta o enredo de Abdón Porte e a sua relação de amor inexplicável com o Nacional do Uruguai, que o levou até o ato mais extremo.
Abdón Porte
Abdón Porte nasceu em 1893, em Montevidéu. Mesmo com o futebol ainda em seus primórdios no continente americano, conta-se que Abdón sempre quis ser futebolista. De fato, como veremos, viveu e morreu pelo futebol.
Em 1899, quando Abdón tinha apenas seis anos, viu nascer sua grande paixão: o Club Nacional de Football, que se tornaria um dos mais imponentes e tradicionais clubes da América.
A paixão foi imediata, de Abdón e toda a família. O Nacional era praticamente um filho, uma instituição que viram nascer e crescer. Para um menino que já gostava de bola, foi natural a vontade de atuar pelo clube tricolor.
Abdón começou sua carreira, ainda bem novo, no Colón Futbol Club e depois defendeu o Libertad, time da capital uruguaia que acabou depois extinto. Em março de 1911, com 18 anos de idade, chegou o grande sonho: Abdón estreou com a camisa do Nacional. E nunca mais a tirou do corpo, literalmente.
Carreira no Nacional
O responsável pela contratação de Porte foi o presidente do Nacional, eleito também em 1911, José Maria Delgado. Ele foi o responsável por tentar transformar as características do clube, que nasceu da aristocracia e só aceitava jogadores das famílias abastadas de Montevidéu. Por isso, Abdón, de origem humilde, teria um lugar no time.
Já na segunda temporada no clube tricolor, Abdón se tornou um destaque. Começou como zagueiro, mas foi avançado para primeiro volante, posição onde se destacou muito. Ele tinha tudo: técnica, passe, era combativo, fazia desarmes e sabia como liderar o meio-campo.
Com uma forma física brilhante, tornou-se o preferido da torcida pela garra que demonstrava, disposição e a incapacidade de demonstrar cansaço.
Os anos de Abdón titular no meio-campo do Nacional foram anos de títulos: 4 Campeonatos Uruguaios, inclusive um tricampeonato, e vários títulos secundários, incluindo da famosa Copa Aldao, um tipo de Supercopa entre o Campeão Uruguaio e o Campeão Argentino.
Tudo parecia um conto de fadas, Abdón era amado pela torcida e amava, mais do que tudo, o Nacional.
A reserva e o ato extremo
1917 foi um ano quase perfeito para Abdón: ganhou títulos, estava no auge dos seus 24 anos, estreou pela seleção uruguaia, se destacou até pelos gols, além de jogar todos os jogos. Mas a perfeição não aconteceu: no fim daquele ano, apareceram as lesões que levaram à decadência de sua carreira.
Abdón – que já era conhecido como El Indio – caiu de rendimento. A diretoria contratou um promissor volante, Zibechi, e o inevitável aconteceu: Abdón perdeu a titularidade. Foi-lhe sugerido ir para outro clube, porém Abdón negou, não conseguia imaginar vestir outra camisa.
Chegou a contar ao irmão Juan que teria a ideia de se matar se não jogasse. A morte de dois de seus irmãos pela varíola fez com que o colapso se tornasse iminente. Veio a depressão profunda.
Em 4 de março de 1918, atuou na vitória por 3-1 contra o Charley, e ali foi dito que seria seu último jogo como titular. O costume era que, após as vitórias, o elenco, comissão técnica e diretoria se encontrassem na sede social para beber e comemorar. Abdón foi e participou dos festejos.
Quem conta a história diz que em algum momento Abdón saiu. Pensou-se que estava indo para casa, mas seu caminho foi sua outra casa: o Gran Parque Central, icônico estadio do Nacional.
Abdón foi até o centro do gramado, ajoelhou-se e deu um tiro no próprio coração. Tinha 25 anos. Foi encontrado pelo zelador do estádio e seu cachorro, já na manhã do outro dia.
O velório gerou comoção em toda cidade. E Abdón passou de ídolo para mártir do Nacional. Até hoje há faixas em sua homenagem no Gran Parque Central. Um jogador que levou o amor à camisa até o ato mais extremo.
Em carta deixada para o presidente Delgado, mostrou seu lado poeta:
“Nacional, ainda que em pó convertido
e em pó sempre amante.
Não esquecerei um instante
o quanto te amei.
Adeus para sempre”