O ‘Clubes e Política’ volta hoje para falar do Schalke 04, um dos mais tradicionais clubes da Alemanha, da humilde cidade de Gelserkirchen. A relação do clube com a política se dá principalmente por conta da sua ligação com o nazismo, que às vezes é tratada de forma exagerada, mas que realmente tem raízes históricas e factuais. Vem comigo.

Origens do Schalke 04

O Schalke 04 é fundado, como mostra seu nome, em 1904, por um grupo de jovens adolescentes, filhos de mineiros da cidade de Gelsenkirchen.

A cidade se localiza no Vale do Ruhr, conhecido pólo industrial e populacional alemão. A origem do clube é bem parecida com a do seu grande rival Borussia Dortmund, mas há uma diferença politicamente importante: Em Gelserkirchen, se concentravam mais os trabalhadores alemães; já Dortmund, apenas 50 km distante, foi a cidade que se mostrou mais receptiva aos imigrantes e também à população de judeus que chegou à Alemanha no começo do século.

Torcida do Schalke 04.
Fonte: Schalke04.de

As origens dos rivais, portanto, são parecidas factualmente mas bem diferentes politicamente. Ambos os clubes surgem a partir de grupos de trabalhadores, mas o Dortmund traz muito mais essa diversidade populacional.

Essa questão originária talvez seja fundamental para a relação política mais comumente ligada ao clube do distrito de Schalke: a relação com o nazismo. No que podemos chamar de uma coincidência histórica, o Schalke monta o principal esquadrão de sua história exatamente no ano em que Hitler chega ao poder, 1933.

O governo nazi organiza uma nova liga, mesmo sem a concordância das federações regionais, e o Schalke torna-se o principal destaque do futebol germânico. Dos 7 títulos alemães que o Schalke tem em toda sua história, 6 foram conquistados no período dos nazistas no poder. De 1933 a 1942, foi grande o domínio dos azuis reais.

A ligação com o nazismo

Há quem diga que o próprio Adolf Hitler era torcedor do Schalke. Mas isso parece ser um exagero ou uma extrapolação. O que sabemos é que o führer genocida não era fã de futebol. A única presença dele documentada em um jogo de futebol foi uma grande decepção para ele: a derrota da Alemanha nas Olimpíadas de 1936. Contamos essa história aqui.

O que é fato histórico é que o propagandista do regime, o odioso Goebbels, aproveitou-se sim do sucesso do time do Schalke para estabelecer discursos sobre a superioridade alemã.

O Schalke era citado como o clube alemão em essência, os germânicos que suavam e trabalhavam em sua terra, e que deveriam ser louvados, em contraposição a clubes como Borussia Dortmund e Bayern de Munique, que eram conhecidos como clubes judeus e deveriam ser combatidos.

Esse uso do Schalke pela propaganda nazista foi o que criou essa ligação histórica que se mantém até hoje.

O time do Schalke 04 se perfila e faz a saudação nazista, em 1933.
Fonte: Trivela.

Mas não foi apenas isso: o clube também ajudou. Aceitou as benesses financeiras e sociais concedidas pelo governo totalitário e se tornou o clube mais popular do país. Ajudou também a criar e fortalecer a inimizade e a rivalidade intensa com o Borussia Dortmund.

Como contamos nessa mesma seção, aqui, o Borussia Dortmund teve dirigentes presos por recusarem a filiação ao Partido Nazi. Houve também o caso de funcionários do Dortmund flagrados produzindo material antinazista dentro do clube. Foram torturados e mortos.

Enquanto isso acontecia, e vários habitantes de Dortmund eram inclusive levados aos campos de concentração, o Schalke se manteve conivente com o grupo no poder.

Por isso tudo, trata-se da maior rivalidade alemã. As duas torcidas realmente se detestam. Na loja do Dortmund, não existe, por exemplo, o caixa número 04. É algo para além do futebol.

O Schalke atual: dá para limpar essa imagem?

A verdade é que a relação do clube com o nazismo ainda é uma controvérsia na Alemanha. É difícil separar o que pode ter sido coincidência histórica e o que são fatos históricos reais. A questão política se impõe por conta da oposição contra o Borussia Dortmund, a questão judaica e a propaganda de Goebbels.

De acordo com o historiador alemão Nils Havemann, são quatro os times que mais se destacaram no apoio ao nazismo: o Stuttgart, o Werder Bremen, o 1860 Munich e, sim, o Schalke 04. A conivência do clube com o regime foi clara: os melhores jogadores daquele esquadrão vencedor de 6 campeonatos apareceram publicamente usando a Reichsadler, águia símbolo nazista; além disso, o Schalke foi o primeiro clube, já em 1933, a excluir todo e qualquer judeu de seu estádio.

Há também uma farta documentação sobre a filiação de seus dirigentes ao Partido Nazista (NSDAP). Para ser justo, isso era algo quase obrigatório na época para quem não queria ser perseguido. Mas o conjunto das ações mostra que, no mínimo, o clube se posicionava favorável ao regime e o defendia.

O próprio Havemann diz que a atitude do Schalke enquanto clube pode ser entendida como uma analogia da sociedade alemã da época: aceitou a propaganda, aproveitou-se das benesses, silenciou em relação às atrocidades e apoiou o poder enquanto pôde. É claro que o contexto histórico precisa ser compreendido, mas a culpa histórica fica e por isso essa ligação é ainda tão comentada e citada principalmente pelos rivais dos Azuis Reais.

Nos últimos anos, o clube vem lutando bastante contra essa pecha e buscando ‘limpar’ sua imagem em relação à história. Campanhas são feitas, como por exemplo a mudança no nome da rua próxima à Veltins Arena, que homenageava Fritz Stepan, ex-jogador do clube, conhecido nazista.

A torcida também tem criado campanhas, inclusive uma parte da arquibancada na Veltins Arena denominada “A Zona livre de nazistas mais quente do mundo”.

“A Zona livre de nazistas mais quente do mundo”. Um setor da arquibancada do Schalke 04.
Fonte: Express.

Mas a verdade é que o clube não se ajuda nesta tentativa de perdão. No começo de 2020, o Schalke foi punido em 50 mil euros por conta de cânticos racistas de sua torcida direcionados a Jordan Torunarigha, jogador negro do Hertha Berlin.

Outro acontecimento triste aconteceu em 2019: o então presidente do Schalke, o empresário Clement Tonnies, em uma reunião corporativa, fez uma fala terrivelmente racista contra a população africana.

Casos assim ajudam a manter essa mancha na história dos Azuis Reais de Gelsenkirchen, uma questão que é muito mais do que futebol.