O ‘Histórias pouco contadas’ volta essa semana com a história de Julio Filippini, jovem atacante uruguaio que fez parte do elenco do histórico Defensor Sporting de 1976, time que colocou um fim, mesmo que provisório, na dinastia Peñarol/Nacional no futebol uruguaio. Em tempos de ditadura, é assim: o medo impera e uma frase pode colocar tudo a perder. Foi o que aconteceu com Filippini. Vem comigo que te conto, em nosso Histórias Pouco contadas!

 

Contexto: o caminho para um título histórico do Defensor Sporting

 

Estamos em 1976. O tradicional futebol uruguaio, bicampeão mundial em 1930 e 1950, não passa por uma fase muito boa. Carente de craques, no Uruguai joga-se um futebol de muita força e raça, sem grande protagonismo da técnica. Além disso, a dinastia de títulos entre os dois grandes clubes de Montevidéu impressiona. Desde 1932, quando se profissionaliza o futebol no Uruguai, nenhum outro time conseguiu vencer a Liga Uruguaia. Só Nacional e Peñarol dividiam os títulos e as grandes campanhas.

Neste contexto surge o brilhante time do Defensor Sporting de 1976. Jovem, ofensivo e veloz, o time era comandado por José Ricardo de León, técnico que ficou famoso pela ofensividade e pela inovação, trazendo conceitos do basquete para o futebol. Mas havia um detalhe político nisso tudo: de León era um homem de esquerda, e o Uruguai vivia seus primeiros anos de ditadura militar. Em 1973, o presidente Bordaberry anunciara o fechamento da Câmara e do Senado, com apoio do Exército, e decretado o Estado de Exceção, que perdurou até 1985. Não é necessário, portanto, dizer que o Defensor Sporting treinado por De León estava sendo observado de perto pelos militares.

Ainda assim, o Defensor se manteve no topo da tabela e na briga pelo título contra os dois gigantes. Tudo isso teria um final, com exceção do jovem atacante Julio Filippini.

 

Filippini: um jovem que disse uma frase fatal

 

Já nas rodadas finais do campeonato, o Defensor, com alguns destaques, resolve estrear o jovem atacante Julio Filippini, de apenas 19 anos, em um jogo decisivo contra o Nacional. O Defensor estava na frente na tabela, mas não podia perder para o tradicional time tricolor. O Nacional abriu o placar, mas, já no segundo tempo, Filippini fez o gol de empate, que praticamente garantia o histórico título do Defensor, que só precisaria vencer o Rentistas na rodada seguinte.

Na empolgação do gol, Filippini disse a frase que, em tempos de ditadura, foi fatal: “Mando uma saudação ao meu irmão e para os companheiros da penal Liberdade”. O irmão de Filippini estava preso pela ditadura, acusado de subversão, e a penal Liberdade era o presídio onde os militares mantinham a maioria dos presos políticos no país.

Filippini tinha um ritual pós-jogo: sempre após as partidas, seu pai vinha lhe buscar e lhe dava uma carona para casa. Mas, naquele dia, a carona foi direto para um esconderijo. Decisão de pai, que pode ter salvado o filho. Isso pois, horas depois, alguns militares já procuravam o jovem jogador na sua casa e também no estádio Luis Franzini, casa do Defensor. Julio Filippini se tornou um foragido da ditadura, e não mais apareceu para treinar nem para jogar. Uma frase e um horrível contexto político acabaram com a carreira do jovem atacante que fez talvez o gol mais importante da história do Defensor Sporting.

Como dito, o final foi feliz para o pequeno clube de Montevidéu: venceu o Rentistas na última rodada e conquistou seu primeiro título, o primeiro time que não se chamava Nacional ou Peñarol a vencer a Liga Profissional do Uruguai. Na comemoração, o Defensor fez a famosa volta olímpica ao contrário, que foi interpretada por muitos como um ato crítico ao contexto político e como uma mobilização de resistência, e até mesmo de homenagem a Filippini.

Mas a carreira de Filippini realmente acabou. Nunca mais jogou nem foi procurado por outra equipe, por medo de retaliações. Em 1985, com a redemocratização, ele reaparece, mas já com outra profissão: servidor público na área de Contabilidade. A história já estava feita, mesmo que com apenas uma frase.