Você que acompanha o BP sabe que a relação entre futebol e política para nós é muito clara e aparece de várias formas. Algumas histórias são mais famosas, outras são pouco contadas. Uma dessas histórias que merece ser mais conhecida é a do jogador italiano Bruno Neri, que jogou profissionalmente de 1926 até 1944, e depois se tornou representante dos futebolistas na luta contra o nazifascismo. Vem comigo que te conto.

Quem foi Bruno Neri?

Nascido em 1910, em Faença, na Itália, Bruno Neri cresceu em uma família operária. Ainda jovem, começou a jogar futebol da mesma forma com que via a vida: de forma coletiva. Era um defensor conhecido como ‘jogador operário’, daqueles que “jogava para o time”, como se costuma dizer. Por causa da disposição e do bom passe, foi adiantado para a posição de volante. Começou jogando em sua cidade, no Faença, passou pelo Livorno, até que em 1929 recebeu proposta da Fiorentina.

O futebol se tornava popular muito rapidamente na Itália. E Bruno Neri era um jogador que não tinha “cara” de jogador. Ele gostava de ler, participava de reuniões políticas e começou a tornar pública uma posição de contestação ao regime fascista de Mussolini. Não é preciso dizer que isso foi um problema em relação ao seu time, a Fiorentina. O estádio do time de Florença era em homenagem a um militante fascista, e o clube mantinha relações com o regime. Na inauguração do estádio, inclusive, o time todo da Fiorentina teria feito a saudação fascista antes do apito inicial. Exceto um jogador: Bruno Neri manteve os braços colados ao corpo.03

Mesmo com essa questão, Neri seguiu na Fiorentina e conseguiu ajudar a levar o clube à Serie A. Chegou a ser convocado pela seleção italiana, mas também demonstrou publicamente incômodo com o uso político que Mussolini fazia do sucesso da seleção que foi bicampeã do mundo nessa década. Quando já estava no Torino, veio a gota d’água: Bruno era treinado por Ernó Erbstein, técnico húngaro que conhecia desde o início da carreira. Com as leis raciais de 1938, o treinador, que era judeu, precisou sair do país. Nesse contexto, Bruno Neri encerra a carreira e vai partir para a vida política.

Bruno Neri não faz o movimento
Reprodução: Internet

Do futebol para a política

 

Bruno se junta ao Comitê de Libertação Nacional, instituição organizadora da Resistência Italiana na Segunda Guerra. Durante a guerra, Bruno aprofunda suas ligações com a guerrilha popular. E aí dá o seu golpe de mestre. Volta à sua cidade natal e, ao menos ‘oficialmente’, anuncia seu retorno ao futebol pelo time da cidade, o Faença. Mas, na verdade, tratava-se muito mais de um pretexto para conseguir fazer reuniões com os militantes da luta armada contra o nazifascismo. O futebol era um disfarce insuspeitável.

Lembram da “Bella Ciao”, canção que ficou famosa na série La Casa de Papel? Pois é, ela era cantada pelos membros da Resistência nesse tempo. E diz a história que teria sido originada ali na região natal de Bruno Neri, por trabalhadoras rurais. Bom, talvez seja legal imaginar, tentando dar ares de romance à história, que Bruno estava cantando essa canção enquanto andava com seu companheiro Vittorio Bellenghi pela Cordilheira dos Apeninos, em busca de suprimentos para seu grupo.

Encontraram-se com 15 soldados alemães. Encurralados, acabaram mortos.

Bruno Neri fez apenas 3 gols na carreira. Mas o maior deles foi estar do lado certo da história. E foi reconhecido por isso: após a queda do nazismo e do fascismo na Itália, a Fiorentina retirou a homenagem ao fiscita de seu estádio, pensando em Bruno. E o estádio de Faença, sua cidade, hoje se chama Stadio Bruno Neri.

 

  • Texto inspirado no “Bruno Neri, o jogador antifascista”, de Breiller Pires, no El País.